quinta-feira, 29 de outubro de 2009

TÊMPERA A OVO

O mais antigo e natural tipo de emulsão de têmpera é a gema de ovo. As gemas dos ovos de galinha contêm uma solução aquosa de substância gomosa, albumina, um óleo não-secativo chamado óleo de ovo, e lecitina, um lipóide ou substância gordurosa que é um dos emulsificadores ou estabilizadores mais eficientes da natureza.

Inúmeras instruções para o uso da têmpera de ovo nos chegaram de todos os períodos da arte européia. A técnica tradicional da gema de ovo pura é preparada da maneira apresentada a seguir:

MODO DE FAZER

Primeiro separa-se a gema da clara. Uma gema pura, livre da clara, é o material padrão. Após a gema estar separada da clara pelo método comum de alternar despejando, uma na outra, as metades da casca ou, melhor, pelo uso de um separador de clara e gema, a gema é rolada ligeiramente numa toalha de papel para secar a camada de clara aderente e a maior parte da calaza (um dos cordões que prendem a gema à membrana do ovo das aves), e então é transferida para a palma da mão aberta e reta (e não em forma de concha), levantada pelo polegar e dedo indicador da outra mão de modo a não romper a pele, e suspensa sobre um frasco ou xícara. A pele é então perfurada na base com uma faca ou ponta afiada.
Uma pequena quantidade de água pode ser misturada a esta; como se utilizará água na pintura que alguma quantidade esteja adicionada nesta operação, mas use somente água destilada. A quantidade de água pode ser na mesma proporção da gema utilizada, ou seja, pode ser medida com a metade da casca do ovo limpo.
O ovo puro irá conservar-se em lugar escuro e fresco por três ou quatro dias; se for necessário conservar por mais tempo, duas colheres de vinagre branco pode ser acrescida na emulsão. O vinagre age como um preservativo tradicional do ovo.
A utilização do Cravo (essência de cravo) na emulsão é com finalidade aromática, conservante e fungicida. Para não alterar as propriedades da emulsão utilizam-se, apenas, três grãos de cravo diretamente no frasco que será utilizado para armazenamento.

Obs.: Essa emulsão pode ser guardada em geladeira.

*Fonte: Ralph Mayer, Manual do Artista

ESPIRITUALIDADE DA TÊMPERA

Na utilização da têmpera para a inscrição de um ícone, o ovo, a água, o vinagre e o cravo pode ser empregado um sentido espiritual quando contemplamos a paixão e ressurreição de Cristo, Nosso Senhor.
O ovo é símbolo da vida. Uma nova vida que se rompe de um envólucro. Símbolo da Ressurreição de Jesus, enquanto que a água é utilizada no batismo e na santificação de pequenos objetos para a utilização devocional, ou mesmo, sacro (litúrgico). O vinagre lembra a paixão de Cristo, assim como os 3 cravos.
Com essa simbologia podemos nos aprofundar ainda mais no sentido sacro da inscrição dos ícones.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A TÉCNICA

A PREPARAÇÃO DA MADEIRA

É preciso uma madeira resistente e bem seca, de 15 a 20mm de espessura, coberta inicialmente com cola firme e bastante líquida para penetrar a madeira. Quase sempre com essa mesma cola se fixa sobre a madeira uma tela finíssima e limpa. Às vezes, escava-se o centro da madeira, deixando um contorno de 2 a 5 cm por alguns milímetros de altura, formando nos quatros lados uma espécie de moldura.

O LEVKAS

Uma espécie de cola forte de coelho e pó de pedra branca (mármore ou gesso) é espalhada várias vezes sobre a madeira, pincelando e deixando secar bem cada vez. Forma-se, assim, sobre a madeira, um branco (levkas) harmonioso, polido pacientemente com lixa fina até se obter uma superfície branca e dura, pronta para realizar o desenho.

O DESENHO

(Ver: Esquemas Iconográficos Cristo e Theotókos)
Os contornos das imagens são esboçados com uma ponta fina ou com um lápis, ou ainda com um pincelzinho embebido na ocra preparada a têmpera. Naturalmente, antes de tudo, o iconógrafo já teria preparado um bom modelo, servindo-se de ícones antigos reproduzidos em papel; de um guia-manual que lhe permita conformar-se com a tradição.

A DOURAÇÃO

Cobre-se a superfície a ser dourada (auréola ou fundo) com um extrato de ocre amarelo ou vermelho. Em seguida, enverniza-se com o mordente; sobre o verniz, estando seco, mas ainda pegajoso, aplica-se a folha de ouro. Deixa-se secar. Limpam-se os contornos com um pincel macio e aplica-se outro verniz para protegê-lo.

A EMULSÃO

Existem numerosas receitas para a preparação da emulsão com gema de ovo como aglutinante (pintura a têmpera). Eis algumas:

1 gema de ovo
2 partes de vinho branco de mesa

ou,

1 gema de ovo
1 parte de água
2 colheres de vinagre branco (ácido ascético)
3 cravos da índia

ou ainda,

1 gema de ovo
1 parte de cerveja clara

Em todos estes casos é necessário misturar bem a emulsão antes de usá-las e, para conservar, deve ser guardadas em geladeira e a utilização deve ser com conta-gotas comum.

A PINTURA

Com o pó da cor que se deseja, misturando com um pouco de água, se acrescenta a emulsão e obtém-se um colorido que é passado em camada fina, sutil e uniforme. Diversamente do processo da pintura a óleo, aqui nunca se usam as “pinceladas grossas”.Quando a primeira camada de cor estiver seca, cobre-se com uma segunda da mesma cor mais diluída em água; repete-se o processo várias vezes. Com um pincel fino traça-se as linhas externas e depois as internas sobre as superfícies de uma mesma cor, porém mais escura e menos diluída. Para se dar mais destaque a certas partes, escurece-se a parte não iluminada, empregando-se uma cor de tom escuro, mais profundo do que o usado anteriormente ou, também, “clareiam-se” as partes iluminadas. A claridade se obtém através de várias camadas (duas ou quatro), colocando-se sobre a superfície seca a cor já empregada com o acréscimo de um pouco de um pó branco. Este processo é contínuo, feito por várias vezes, limitando cada vez a superfície pintada. O último efeito de luz é obtido com alguns tracinhos de branco puro, obtendo-se uma luminosidade de um só tom ou reflexo simples. Mas, às vezes, emprega-se o reflexo de duas cores (por exemplo, uma cor fria azul pode ser iluminada com uma tinta quente como por o vermelho).

AS INSCRIÇÕES

A inscrição é feita em uma das línguas litúrgicas bizantinas: grego, eslavo, árabe, hebraico etc. Porém, conservam-se as abreviações em grego para indicar a Mãe de Deus (MP OY) e Jesus Cristo (IC XC). Na auréola de Cristo, onde se desenha uma cruz, encontra-se sempre as três letras "O WN", isto é, “Aquele que é”, o nome de Deus revelado a Moisés, quando se encontrou diante da sarça ardente.

domingo, 11 de outubro de 2009

O ICONÓGRAFO

O autor de ícones é chamado iconógrafo, que significa “aquele que escreve ícones”. Em relação ao artista, não se diz, portanto, que pinta ícones, mas que os escreve.
No passado, o iconógrafo era, sobretudo, um monge, enquanto familiarizado com a vida espiritual: na oração, no silêncio, na ascese, no jejum. Ele mergulhava no mundo ultraterreno e, vivendo em companhia dos santos, podia melhor exprimir o rosto e o mistério. O costume da oração e da disciplina monástica se tornava, assim, importantes componentes da ação do artista. Como modelo exemplar de monges iconógrafos, citamos: Andrej Rublev e Dionísio de Furná.
A igreja ortodoxa, ao lado de várias ordens dos santos: confessores, mártires, doutores, virgens etc., coloca também os santos iconógrafos, cuja arte é considerada um testemunho evidente de santidade. Entre eles enumera-se Santo Alípio, pintor de ícones do mosteiro das grutas de Kiev e o, já citado, Santo Andrej Rublev, canonizado pela Igreja eslava.
O Concílio Moscovita dos “Cem Capítulos” (1551) traça um exigente perfil do iconógrafo, apontando as qualidades que se deve cultivar e os defeitos a serem evitados: “o pintor de ícones deve ser humilde, dócil, piedoso, pouco falante, não zombador, não briguento, não invejoso, não beberrão, não gatuno e deve conservar a pureza da alma e do corpo”.

A ORAÇÃO E O JEJUM

Em nossos dias não há uma exigência de que seja, o iconógrafo, um monge, mas que esteja intimamente ligado à sua Igreja local e que tenha uma vida íntima de oração, pois ao pintor diz respeito somente o aspecto técnico da obra, mas toda a sua organização (diátaxis, portanto, disposição, criação, composição) pertence e depende claramente dos Santos Padres.
Logo, sem oração, o iconógrafo encontra-se morto para o mundo espiritual e ainda que possuísse perfeitamente a técnica do ícone, a sua obra sempre seria sem alma.
Existe um modelo específico de oração para o iconógrafo iniciar o seu trabalho e que se encontra nos manuais de iconografia:

“Oh Divino Mestre! Ardoroso artífice de toda a criação. Ilumina o olhar do teu servo, guarda o seu coração, rege e governa a sua mão para que, dignamente e com perfeição, possa representar a Tua Santa imagem. Para a glória, a alegria e a beleza da Tua Santa Igreja”.

E, enquanto é executada a obra, mentalmente, invoca-se ininterruptamente o nome de Jesus, na breve oração:

“Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, tende piedade de mim”.

O melhor jejum para o iconógrafo é o da visão, pois, conforme o dizer popular: “os olhos são as janelas da alma”, é pelo sentido da visão que se pode entorpecer diretamente a alma pura. Nesse sentido a busca pela face do Senhor, conforme canta o salmista: “Tenho os olhos sempre fitos no Senhor” (Sl 24, 15), santifica a visão e o interior e o fortalece no cumprimento do seu ofício de “escritor” da imagem sacra.

O SERVIÇO DIVINO

O iconógrafo é um missionário da beleza incriada. Sua missão é tornar visível com traços e cores o espiritual, ou seja, o Divino.
O homem que cria imagem de culto não é um artista no nosso sentido. Não cria, mas serve à presença, contempla. A imagem de culto contém algo. Está em relação com o dogma, o sacramento, a realidade objetiva da Igreja. O artista de imagens de culto requer uma e missão por parte da Igreja. Seu serviço será um ministério.

AS REGRAS DO ICONÓGRAFO

I. Antes de iniciar o trabalho, faça o sinal da cruz, ora em silêncio e perdoa os teus inimigos;
II. Faça várias vezes o sinal da cruz durante o trabalho, para fortificar-se física e espiritualmente;
III. Conserva o teu espírito longe das distrações e o Senhor estará perto de ti;
IV. Cuide de cada detalhe do teu ícone como se trabalhasse diante do próprio Senhor;
V. Quando escolher uma cor, eleve interiormente tuas mãos ao Senhor e peças conselho;
VI. Não sejas invejoso do trabalho do teu próximo;
VII. Terminado o teu ícone, agradeça ao Senhor, porque a Sua misericórdia concedeu a possibilidade de pintar as Santas Imagens;
VIII. Seja tu mesmo, o primeiro a orar diante do teu ícone;
IX. Jamais esqueças:
- a alegria de difundir os ícones no mundo;
- teu trabalho deve ser de felicidade;
- tu serves, comunicas e cantas a Glória do Senhor através do teu ícone.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O que é um ÍCONE

Conforme a definição técnica, ícone é a representação de uma personagem ou cena em pintura sobre madeira, não raro recoberta de um metal precioso (geralmente ouro), ela própria considerada sagrada e objeto de culto. A palavra “ícone” deriva do grego eikóna , que quer dizer “imagem, representação, gravura ou figura” O novo testamento aplica esta palavra a Cristo, quando diz que “Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15).
Não se pode definir o ícone somente pelos aspectos exteriores, seria limitá-lo demais. Nele une a teologia, a arte, a liturgia e uma tradição canônica em sua confecção que remonta os primeiros séculos do cristianismo nascente. Podemos dizer, então, que é uma pintura, geralmente portátil, de gênero sagrado, executada sobre madeira com uma técnica particular, segundo uma tradição transmitida pelos séculos.Os ícones são parábolas dogmáticas, por isso eles não são belos como as obras de arte, mas como a própria verdade. E a verdade dispensa explicações, porém a explicação da verdade não elimina seu mistério.

“Enfim, Deus revela Sua Face Humana,
a Palavra se torna objeto de contemplação”
(Pavel Evdokmov)

“O ícone transcreve pela IMAGEM
a mensagem evangélica
que a Sagrada Escritura
transmite pela PALAVRA”
(Catecismo da Igreja Católica, 1160)
A PALAVRA SE FAZ IMAGEM

Os ícones haurem toda sua significação do mistério da Encarnação do Filho de Deus. Ele próprio, o ícone, a imagem do Deus invisível, é o molde ou modelo, segundo o qual se deve esculpir na alma a Imagem da Divindade que nos criou até “atingir o estado de homens feitos, de acordo com a idade madura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13). Pois que cada ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26s; 5,1). Nesse sentido, com a Encarnação do Filho de Deus torna-se possível descrever sua imagem baseando-nos nos aspectos históricos, culturais e geográficos de sua época.
No contexto histórico firma-se sua humanidade, nascimento, infância, fase adulta e morte. O aspecto cultural exprime os traços idéias da pessoa de Cristo Deus-Homem: a figura do Bom Pastor, Cristo Mestre, Taumaturgo, Doador da Vida, dentre outros. Os traços geográficos revelam sua etnia e costumes.


A IMAGEM ACHIROPITA

São chamadas Achiropita, isto é, “não feitas por mão humanas”, algumas imagens devidas a uma intervenção prodigiosa. No mundo ocidental é conhecido o relato de Verônica (vero + ícone = verdadeira imagem) que, segundo a lenda, enxugou o rosto de Cristo em sua passagem na via sacra, ou seja, enquanto Jesus era conduzido ao Gólgota para lá ser crucificado. Conta tal episódio que ela, compadecida das dores de Cristo, quis enxugar o seu rosto que se encontrava ensanguentado devido o flagelo e teve a surpresa de ver impresso no linho a Sagrada Face.
No mundo oriental o Achiropita conhecido é o Mandillyon, nome aramaico e árabe que significa “toalha”. Tradicionalmente designa o linho sobre o qual Cristo imprimiu milagrosamente os traços de seu rosto e que mandou ao rei Abgar V, de Edessa, atual Urfa, na Turquia.
Outra imagem “não feita por mão humana” é o tão conhecido Santo Sudário, única ainda conservada. É aquela que José de Arimatéia e Nicodemos envolveu o corpo de Jesus retirado da cruz e o banhou com uma mistura de mirra e aloés, como os judeus costumavam sepultar. Este relato se encontra na Sagrada Escritura, no evangelho de S. João (19, 38-42; 20, 3-8).


S. LUCAS, O PRIMEIRO ICONÓGRAFO MARIANO

Enquanto as primeiras imagens de Jesus Cristo foram impressas de forma prodigiosa, ou seja, “não feita por mão humana”, a tipologia mariana foi inspirada por S. Lucas. Segundo uma antiqüíssima tradição a Mãe de Deus teria posado, segurando o menino-Jesus no colo, para que o evangelista a pintasse inspirado por Deus (assim representado por um anjo). O produto dessa imagem seria o modelo de todos os ícones marianos que subsistem.
O primeiro a acolher, por escrito, a tradição da autoria lucana dos ícones da Mãe de Deus foi o escritor grego Teodoro, o Leitor, no século VI, eu sua “História Eclesiástica”. Remontando uma tradição corrente no século V, ele narra a transferência do ícone de Hodghítria, de Jerusalém para Constantinopla, por iniciativa da Imperatriz Eudóxia, e registra que essa tradição atribuía a venerável imagem a São Lucas.
É perceptível pela comparação dos evangelhos sinóticos que S. Lucas busca tratar do tema da infância de Jesus com mais detalhes e, nisso, inclui sua mãe e, por isso, podemos concluir a veracidade do fato de que ele foi o primeiro a escrever em imagem (iconógrafo: ícone, “imagem” + grafo, “escrita”), senão em madeira, ao menos em rolos de pergaminhos.